quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Trecho da madrugada


Algumas pessoas precisam de carinho. Muito carinho. Precisam de abraços apertados, beijos acalorados e relacionamentos duradouros, porque só assim conseguem sorrir e dizer para quem quiser ouvir que são felizes e estão muito bem, obrigado, com as pessoas que as amam. Algumas pessoas são assim.

Mas eu não. Quando era criança, os meus tios, se achando muito engraçados, experientes e com aquele ar de quem sabe das coisas, gostavam de tirar sarro comigo. Diziam que eu parecia um menino, correndo pra lá e pra cá, e que eu não deveria perturbar os meus priminhos, que brincavam com bola de gude e empinavam pipa, voltando para perto da única prima da minha idade, que adorava brincar de casinha e boneca. Aquela, sim, era uma menina do jeito que todos queriam que eu fosse: educada, obediente, usava rosa em excesso e adorava rasgar suas próprias calcinhas e costurá-las novamente, fazendo roupas para as bonecas das quais tanto gostava. Eu admito, era bem cruel com ela e agia como um menino mimado, puxando o cabelo escuro dela sem dó algum só pelo prazer de vê-la sair correndo para a mãe, chorando.

Mas as coisas mudam. Os rancorosos podem não acreditar, mas as pessoas também mudam. Um bandido pode se arrepender de ter roubado alguém e, como diriam os cristãos, ser perdoado por Deus. Uma menina que costumava ser um exemplo de criança perfeita pode crescer e querer seguir seu próprio caminho, não importando o que os outros a mandem fazer. Uma criança que não gostava de ouvir os conselhos dos outros pode acabar crescendo e se tornando, por ironia do destino, a neta mais calma e respeitosa que o seu Floriano haveria de ver. E uma pessoa que sempre se achou tão independente, desde criança, e que poucas vezes se sentia realmente carente, pode precisar de carinho. Muito carinho. Daqueles que a faz querer gritar para todos os cantos que é feliz porque tem alguém que a ame e que, depois de perceber o que está fazendo, a fazer sentir vontade de rir da própria estupidez.

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